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Fim da conciliação sobre o marco temporal pode afetar 50 áreas em MS

Após 9 meses de diálogo, as reuniões terminaram com a criação de uma minuta e sem consenso

| JORNAL GRANDOURADOS/CORREIO DO ESTADO / JUDSON MARINHO


Impasse se mantém e pode acirrar conflitos por terras no Estado - Valdenir Rezende / Arquivo / Correio do Estado

Nesta segunda-feira, conciliação no Supremo Tribunal Federal (STF) terminou sem consenso entre indígenas e produtores rurais sobre o marco temporal, resultado que pode afetar 50 áreas que estão sendo reivindicadas em Mato Grosso do Sul.

A conciliação, sem resultado prático, na visão do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), deve prejudicar diversas áreas onde indígenas estão acampados reivindicando terras, movimento que também é conhecido como retomada.

“Em números, mais de 50 territórios seriam afetados, milhares de pessoas que provavelmente sofrerão despejos e voltarão a morrer na beira da BR. Todas os territórios devem ser afetados, porque o marco temporal é uma manobra que não tem sido usada ‘apenas’ para impedir novos processos, inclusive processos que o Estado já pagou e indenizou, como é o caso de Limão Verde e Buriti [terena] e Guyraroka [kaiowá]”, exemplificou.

Para o Cimi, as reuniões de conciliação teriam virado “instrumento político para tirar o foco das instâncias de demarcações das terras indígenas”.

“A questão central é que essa mesa de conciliação é um instrumento político, sem nenhuma legitimidade e muito menos previsão constitucional. É preciso que o STF julgue os embargos do recurso extraordinário para definir a continuidade dos processos de demarcação e sob qual ótica. Se, porventura, isso ocorrer, é ótimo, pois voltaremos pelo menos à normalidade dos processos de demarcação”, descreveu o Cimi.

A falta de acordo ou de se chegar a uma conclusão entre as partes envolvidas também pode ocasionar ou manter tensões em áreas onde há disputa por territórios entre indígenas e ruralistas, como é o caso da Terra Indígena (TI) Panambi – Lagoa Rica, localizada em Douradina.

No fim do mês passado, por determinação do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), foi acatado o recurso do Ministério Público Federal (MPF) que pede prosseguimento da ação em busca de anular oito títulos de domínio em Mato Grosso do Sul que estão como incidentes na TI Panambi – Lagoa Rica.

Essa decisão tem a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) como assistente no caso, tudo com o intuito de fortalecer a defesa dos direitos do povo guarani-kaiowá. 

A ação do MPF também busca que a União assuma a posse das terras e promova pagamento de indenização para aqueles proprietários que agiram de boa-fé.

“Sem conclusão nesta conciliação, há continuidade de um doloroso processo de violações históricas e até mesmo genocídio, pois, sem segurança territorial, os indígenas seguirão, por um lado, sendo atacados, como inúmeros exemplos atestam, e, por outro, expostos à fome, negligência, racismo institucional, e violências de toda ordem, como tem sido o dia a dia deles pelas décadas em que o processo de demarcação não ocorreu”, acrescentou o Cimi.

Ao fim da última reunião da mesa de conciliação do STF, o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), Marcelo Bertoni, citou que as reuniões feitas ao longo dos meses propuseram algumas mudanças na lei aprovada pelo Congresso sobre o marco temporal.

“Depois de um longo debate na comissão de conciliação, conseguimos importantes avanços na discussão, como a transparência, a indenização, o acesso e a participação no processo de demarcação de terras indígenas. Além disso, defendemos fortemente a tese do marco temporal, conseguindo manter 80% da Lei nº 14.701/2023. Vamos continuar o diálogo, seja no STF, seja no Congresso Nacional, para garantir a segurança jurídica ao produtor rural brasileiro”, afirmou Bertoni, membro da comissão especial.

De acordo com a Famasul, dos 96 artigos iniciais propostos pelo ministro Gilmar Mendes, os integrantes da comissão entraram em consenso mínimo e parcial sobre 40 artigos.

Após nove meses de trabalho, a mesa de conciliação elaborou uma minuta com sugestões de um anteprojeto, que será enviado ao Congresso Nacional, para alteração da Lei nº 14.701/2023, que instituiu o marco temporal para as demarcações.

Pela tese do marco temporal, os indígenas somente têm direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial na época.

A mesa de conciliação terminou sem alterar a questão do marco temporal porque não houve consenso sobre o tema. Além disso, no ano passado, Gilmar Mendes negou uma liminar contra a suspensão da regra e enviou o caso para conciliação. 

As alterações propostas na lei deverão ser protocoladas no STF até amanhã.

A minuta foi aprovada sem contar com a participação ampla dos povos indígenas. Em agosto do ano passado, representantes da Articulação dos Povos Indígenas (Apib) se retiraram da conciliação. A entidade entendeu que os direitos dos indígenas são inegociáveis e não há paridade no debate.

Entre as alterações no projeto de lei aprovado no Congresso Nacional propostas na minuta entregue pelo Supremo Tribunal Federal (STF) está a determinação de o procedimento demarcatório ser público, com seus atos decisórios amplamente divulgados e disponibilizados para consulta por meio eletrônico.


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