PUBLICIDADE

Projeto antifacção é mais criticado do que elogiado por juristas de MS

Advogados veem pontos críticos no texto, com possível influência na atuação da PF e do Ministério Público e também na defesa dos suspeitos de integrar esses grupos

| CORREIO DO ESTADO / DAIANY ALBUQUERQUE


André Borges, Sandro Oliveira e Benedicto Arthur Figueiredo Neto foram os juristas ouvidos pela reportagem do Correio do Estado - Montagem

Após muitas mudanças e muitas polêmicas, o Projeto de Lei nº 5.582/2025, conhecido como projeto antifacção, de autoria do governo federal, mas que teve o texto modificado, foi aprovado pela Câmara dos Deputados na terça-feira. A mudança, apesar dos ajustes feitos, ainda gera sérios problemas, segundo juristas ouvidos pelo Correio do Estado.

A proposta tem alguns pontos centrais, como o aumento substancial de pena para quem integrar grupos classificados como organizações criminosas ou milícias privadas. Segundo a medida, a pena para essas pessoas seria de reclusão de 20 anos a 40 anos, em um crime categorizado como domínio social estruturado.

Outro trecho que chamou a atenção foi a previsão de apreensão prévia de bens do investigado em certas circunstâncias, com a possibilidade de perda desses bens antes do trânsito em julgado da ação penal, ou seja, antes que o suspeito tenha findado todas as suas chances de recorrer da determinação.

Além disso, o preso condenado por participar de organização criminosa também fica proibido de ser beneficiado por anistia, graça ou indulto, fiança ou liberdade condicional.

Para o professor doutor de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Sandro Oliveira, o projeto deveria ter sido mais discutido antes de ser aprovado pela Câmara dos Deputados.

“Projetos desta envergadura devem ter discussões técnicas com tempo necessário e não serem feitas de forma afobada”, declarou ao Correio do Estado.

Para ele, a apreensão de bens antes do trânsito em julgado é um dos pontos sensíveis do projeto.

“Sem exigências explícitas de salvaguardas [ordem judicial específica, limites temporais e mecanismos de controle] essas medidas podem ser interpretadas como violações de direitos fundamentais, como privacidade, sigilo de dados e liberdade de comunicação. A constitucionalidade desses instrumentos depende de um arcabouço procedimental firme, que o texto, na forma atual, não detalha”.

Outro trecho que ele aponta como problemático é o de mudanças no Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), que agora é dividido entre as forças. Ele acredita que isso pode contribuir para um enfraquecimento de investigações de grande monta da Polícia Federal (PF), que antes ficava com a maior parte desses recursos.

“A redistribuição dos recursos apreendidos pode diminuir o ‘combustível financeiro’ que hoje sustenta muitas operações nacionais da Polícia Federal. Tanto integrantes do Executivo quanto operadores do Direito já alertaram para esse risco. Se a maior parte desses valores deixar de ser centralizada, investigações complexas – que dependem de estrutura, tecnologia e equipes especializadas – podem perder ritmo e capacidade de atuação”, avaliou.

Já o advogado Benedicto Arthur Figueiredo Neto lembra que, além da PF, o Ministério Público também pode ter sua atuação cerceada com a nova lei. Ele também lembra que até os advogados podem ser afetados.

“Dois são os aspectos mais temerosos do projeto de lei: o primeiro diz respeito ao Ministério Público, fiscal da lei e assim tido pela Constituição Federal, poderá se ver preterido de emitir parecer prévio no curso de uma investigação, quando houver urgência ou risco de ineficácia da medida requerida pela polícia, dando apenas faculdade ao Ministério Público de se manifestar posteriormente à decisão judicial, como prevê o art. 5º, § 4 do projeto de lei”, disse.

“A segunda, e mais grave, diz respeito a uma violação às prerrogativas da advocacia, em que é garantida a preservação do sigilo profissional entre cliente e advogado, mas que, no projeto, no art. 41-B, as conversas entre clientes e advogados poderão ser monitoradas, sob um argumento perigoso de ‘se fundar em conluio criminoso reconhecidas judicialmente’”, completou.

Para o advogado André Borges, apesar de o aumento de pena ser algo comemorado pelo relator do projeto, o deputado federal Guilherme Derrite (PP-SP), isso pode não ser suficiente para conter a criminalidade gerada pelas organizações criminosas.

“Tudo que vier para combater a criminalidade organizada é bom e deve ser apoiado. Mas não se pode ter a ilusão de que simplesmente aumentar penas de crimes resolverá o problema. O que é grave exige atuação conjunta e inteligente de todos os órgãos da República”, afirmou, acrescentando que a discussão ainda deve ser longa, já que agora o texto vai para o Senado.


PUBLICIDADE
PUBLICIDADE