Caso Vanessa: delegadas da Deam caíram 'atirando' contra imprensa e parte da sociedade
Sem responder ao relato de 'atendimento frio' de Vanessa Ricarte horas antes de ser assassinada; delegadas atacaram revelação dos áudios da vítima pela imprensa: 'sensacionalismo' e deixaram o cargo em grupo
| CORREIO DO ESTADO / EDUARDO MIRANDA
As delegadas responsáveis pela Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de Campo Grande (Deam), que funciona dentro da Casa da Mulher Brasileira, entregaram os cargos ao governador Eduardo Riedel (PSDB), e saíram atirando contra a imprensa e parte da sociedade que questionou o trabalho delas no acolhimento às vítimas de violência nas ruas e nas redes sociais.
“Expressamos nossa indignação diante dos ataques injustos e sensacionalistas dirigidos à nossa equipe, que se dedica há anos à proteção de defesa das vítimas de violência”, afirmam as delegadas no documento endereçado à Eduardo Riedel (PSDB), ao diretor-geral de Polícia Civil, Lupércio de Degerone, e ao secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública, Antônio Carlos Videira.
Na carta em que toda a equipe da Deam pede a renúncia sai em solidariedade da delegada titular, Elaine Cristina Ishiki Benicasa, e das delegadas Ricelly Donha e Lucelia Constantino, que atenderam a jornalista Vanessa Ricarte, 42, duas vezes, na noite de terça-feira (11) e na tarde de quarta-feria (12).
Elas dobram a aposta diante do conteúdo do áudio de Whats App em que Vanessa, horas antes de ser assassinada pelo ex-noivo, Caio Nascimento, queixa-se do tratamento “frio e prolixo” da Delegacia da Mulher.
Ao manifestarem “total apoio” às três, o grupo de integrantes da Deam afirma que elas “sempre priorizaram o atendimento humanizado às vítimas”.
Não foi o que Vanessa Ricarte disse a uma amiga horas antes de ser morta.
“Assim, sabe? Eu que tenho toda a instrução, escolaridade, fui tratada dessa maneira, imagina uma mulher mais vulnerável, pobrezinha, chegar lá toda vulnerável, sem ter uma rede apoio nenhuma. Essas que são mortas né? Essas que vão para a estatística de feminicídio”, disse Vanessa a uma amiga na quarta-feira, relatando o mau atendimento na Deam.
O áudio só veio a público na noite de sexta-feira (14), quando Vanessa já havia sido sepultada. Até então, a equipe da Deam insistia na argumentação de que a vítima recusou o abrigo oferecido. A revelação do áudio provocou uma catarse não apenas em Mato Grosso do Sul, mas em todo o Brasil.
Nas redes sociais do Correio do Estado, e também de outros veículos de comunicação do Estado, são inúmeros os testemunhos de mau atendimento no local, e de revitimização das vítimas de agressões.
Um perfil da rede X, chamado “Delegada da Depressão”, o áudio de Vanessa desencadeou reclamações no atendimento nas delegacias da mulher em todo o Brasil.
Apesar da catarse, as delegadas caíram atirando na imprensa, e não mencionaram sequer, ou fizeram mea culpa às queixar reveladas por Vanessa, que agora são objeto de sindicância (embora o poder público ainda esteja sendo bem pouco transparente com a abertura da investigação).
“A exploração midiática de um caso tão cruel de feminicídio, movida pela busca por popularidade, desrespeita a memória da vítima e de seus familiares, além de desvalorizar o trabalho sério de policiais que atuam no diariamente para garantir justiça”, afirmam as delegadas, um grupo de 12 profissionais, algumas recém-aprovadas em concurso e em estágio probatório, como Ricelly, que assina o boletim de ocorrência em que Vanessa comunica as agressões.
Elas chamam o trabalho da imprensa, que apenas divulgou os áudios de uma jornalista assassinada à sociedade, de “sensacionalismo”.
“O sensacionalismo não contribui para um debate responsável sobre a violência de gênero - pelo contrário, desinforma e desqualifica uma luta que deve ser da sociedade”, argumentam.