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Maquinário agrícola vira moeda de troca com o narcotráfico

Quadrilhas especializadas no tráfico de entorpecentes têm praticado o roubo de implementos do agro o chamado 'ouro verde' para serem usados na fronteira de MS com o Paraguai e a Bolívia

| CORREIO DO ESTADO / VALéRIA ARAúJO, DE DOURADOS


Recentemente, uma retroescavadeira que seguia em direção a Ponta Porã foi recuperada pela Polícia Rodoviária Federal em Dourados - Foto: Divulgação/PRF

O alvo mais recente das quadrilhas especializadas em tráfico de drogas são os maquinários agrícolas, chamados de “ouros verdes” no submundo do crime. Essas máquinas, muitas vezes furtadas em grandes centros urbanos e propriedades rurais, são transportadas até a fronteira, onde se tornam uma moeda de troca altamente valiosa para o tráfico de drogas.

Com 15 mil quilômetros de fronteiras secas, o Brasil enfrenta desafios no combate ao tráfico. No epicentro dessa crise, Mato Grosso do Sul desponta como um terreno propício para a ação de organizações criminosas, uma vez que a proximidade com o Paraguai e a Bolívia facilita práticas ilícitas que afetam diretamente o campo.

No ano passado, segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), foram recuperadas 28 máquinas agrícolas no Brasil, muitas delas em MS, que é usado como um corredor pelos traficantes. O número é pequeno pela dificuldade na recuperação dessas máquinas.

MODUS OPERANDI

Chefe da PRF em Dourados, Valdir Brasil detalha as táticas empregadas pelos criminosos para o roubo e, posteriormente, para a troca por drogas.

“As quadrilhas cooptam funcionários das fazendas para obter informações sobre o patrimônio da propriedade, escolhendo o momento certo para agir. Outro método inclui o acesso a cadastros de produtores rurais para identificar equipamentos específicos,” revela.

Recentemente, uma retroescavadeira foi recuperada em Dourados enquanto era transportada para Ponta Porã, na fronteira com Pedro Juan Caballero, no Paraguai.

“Essas máquinas são embarcadas em carretas e, ao atravessarem a fronteira, se tornam ferramentas do tráfico,” explica Brasil.

SISTEMA NACIONAL

Apesar dos avanços tecnológicos, as forças de segurança enfrentam dificuldades logísticas e estruturais. Não existe um banco de dados nacional que permita a identificação rápida de maquinários roubados, como o Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam) para veículos.

“Hoje, dependemos de consultas a fabricantes para identificar a origem de um equipamento, o que demanda tempo e compromete a eficiência policial,” afirma o delegado Matheus Zampieri, titular da Delegacia

Especializada de Combate à Crimes Rurais e Abigeato (Deleagro). Segundo ele, a criação de um banco compulsório com informações detalhadas sobre maquinários é essencial para facilitar abordagens e investigações.

O Registro Nacional de Máquinas e Tratores Agrícolas (Renagro), criado para mitigar o problema, enfrenta baixa adesão. De 1,6 milhão de máquinas elegíveis, apenas 85 mil estavam cadastradas até 2022. A burocracia e o receio de tributação adicional são os principais entraves.

RASTREIO DE MÁQUINAS 

A telemetria é uma das ferramentas mais promissoras no combate a roubos de maquinário. Consultor externo de máquinas agrícola, Alonso Gonçalves dos Santos esclarece que a tecnologia permite o rastreamento em tempo real, mas que há limitações.

“O sistema depende de conexão com a internet e também de o maquinário estar em funcionamento. Equipamentos mais antigos não contam com essa tecnologia,” ressalta.

O Sinal Agro, sistema de alertas da PRF, pode ser um aliado. Assim que uma ocorrência é registrada, um alarme é acionado para equipes policiais em um raio de 200 km – e segundo Brasil, esse processo é ágil:

“Em poucos minutos, os dados da vítima e do bem roubado são inseridos no sistema, ampliando as chances de recuperação”.

Outra iniciativa crucial é o monitoramento preventivo realizado pela Polícia Militar Rural. Mais de 9 mil fazendas no Estado já estão cadastradas no programa Campo Mais Seguro, que combina visitas técnicas, recomendações de segurança e monitoramento por georreferenciamento.

PRESENÇA DO EXÉRCITO

O Exército Brasileiro também tem desempenhado um papel significativo no combate ao crime transfronteiriço. 

O general de brigada Abelardo Prisco de Souza Neto, da 4ª Brigada de Cavalaria Mecanizada, destaca a importância da presença militar.

“Operamos em uma faixa de até 150 km da fronteira, realizando patrulhas em áreas rurais e desabitadas. Nossa simples presença já inibe a ação de criminosos,” afirma.

PREVENÇÃO 

Para os produtores rurais, a prevenção ainda é o melhor remédio. Investimentos em seguros, cadastro em programas como Campo Mais Seguro e a utilização de tecnologias como telemetria são recomendados.

A integração entre os órgãos de segurança, os produtores e as instituições é vital para combater o avanço do crime organizado.

“O Renagro atua hoje mais para gerar uma multa para os produtores do que para proteger. Sem colaboração e um sistema eficaz, estaremos sempre um passo atrás das quadrilhas”, alerta Michael Araújo, vice-presidente do Sindicato Rural de Dourados.


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