MPE vê compra de votos em 2024 e pede a cassação de Adriane Lopes e da vice Camilla
| O JACARé/BY EDIVALDO BITENCOURT
O Ministério Público Eleitoral avalia que existem provas robustas da compra de votos nas eleições de 2024 e opinou pela procedência de ação para cassar a prefeita de Campo Grande, Adriane Lopes (PP), e a vice-prefeita, Camilla Nascimento de Oliveira (PP). Além de perder os mandatos, elas correm o risco de ficarem inelegíveis por oito anos, conforme parecer do procurador regional eleitoral, Luiz Gustavo Mantovani.
O parecer faz parte da investigação judicial eleitoral protocolada no ano passado pelo PDT e pelo Democracia Cristã. Eles também denunciaram a progressista por abuso de poder econômico de autoridade com viés religioso, abuso de poder político e abuso ao disseminar informações falsas contra a adversária, Rose Modesto (União Brasil).
Em primeira instância, apesar das provas juntadas aos autos, o pedido foi julgado improcedente pela juíza Denize de Barros Dodero, da 036ª Zona Eleitoral. O DC e o PDT recorreram ao Tribunal Regional Eleitoral. O relator é o juiz Alexandre Antunes da Silva. O parecer do procurador eleitoral foi anexado na última quarta-feira (26).
“Trata-se aqui de evidente reprovabilidade ética das condutas, da mais alta perniciosidade e de efeitos deletérios para o tecido social da política e da sociedade brasileira quanto à repulsiva mácula da corrupção, bem como da necessidade de eventual responsabilização individual de cada indivíduo aqui citado nas diversas esferas independentes, com gravidade de, por si só, macular a legitimidade e normalidade da disputa eleitoral e desfigurar a igualdade da competição', pontuou Mantovani, sobre a compra de votos por parte da equipe de Adriane.
“A cassação dos mandatos de ADRIANE BARBOSA NOGUEIRA LOPES e CAMILLA NASCIMENTO DE OLIVEIRA, respectivamente, candidatas a prefeita e vice-prefeita da chapa majoritária eleita em Campo Grande/MS, no pleito 2024, por captação ilícita de sufrágio, nos termos do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 e art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90; 2) a inelegibilidade das investigadas para as eleições a se realizarem nos 08 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou o abuso acima narrado, nos termos do art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90', opinou o MPE.
Voto custou R$ 100
Conforme a denúncia, houve provas com pagamento por meio de PIX e gravação de vídeos sobre a compra de votos por assessores de Adriane. No Bairro Aero Rancho, cerca de 200 veículos foram reunidos em um campo de futebol, onde o coordenador da campanha teria repassado R$ 100 para cada veículo adesivado com a campanha pela reeleição da atual prefeita.
Em outro caso, houve reunião no Parque dos Laranjais, onde os participantes receberam R$ 100 cada para votar na progressista. Sebastião Martins Vieira testemunhou que recebeu R$ 400 pelo trabalho e R$ 2 mil para a compra de votos do assessor da prefeita identificado como Darci. O valor foi distribuído entre os moradores do Bairro Caiobá. Houve comprovante do pagamento via PIX por assessores nomeados no gabinete de Adriane, que depois foram distribuídos entre os eleitores que se dispusessem a votar na prefeita.
“No caso sob análise, há elementos que convergem para a comprovação da existência de captação ilícita de sufrágio – a odiosa ‘compra de votos’ – em favor da campanha de ADRIANE LOPES, com a sua participação indireta e anuência', destacou o procurador regional eleitoral.
“Verifica-se a existência de harmonia entre os depoimentos de Ivanor de Oliveira Brites e Edivania Souza do Nascimento sobre a compra de votos por meio de adesivagem de veículos, em especial, e sobre como era paga a quantia aos envolvidos (em dinheiro vivo e ‘jogado pela janela do carro’). Além disso, a testemunha Adriana Cristina Campagnoli de Oliveira (ID 12617706 a ID 12617709) confirmou que viu ‘Nilsão’, liderança do Aero Rancho e responsável pelas adesivagens, no comitê de campanha de ADRIANE LOPES', relatou.
“Igualmente, há convergência entre os depoimentos das demais testemunhas que declararam ter recebido pequenas quantias de dinheiro (R$ 50,00 e R$ 100,00) para comparecimento em reuniões da campanha de ADRIANE LOPES em bairros distantes do centro da cidade e de conhecida maior vulnerabilidade (Portal do Caiobá, Parque dos Laranjais, Nova Campo Grande, Jardim Carioca)', frisou o procurador.
“Aliás, quanto ao ponto específico de controvérsia, sobre a testemunha Sebastião Martins Vieira, conhecido como Tião da Horta, ser cabo eleitoral da candidata Rose Modesto ou de ADRIANE LOPES, os elementos constantes dos autos autorizam concluir pela veracidade do seu depoimento, no sentido de este que atuou pela reeleição da investigada. Tal verossimilhança decorre do comprovante PIX de Simone Bastos Vieira, lotada no gabinete da prefeitura, tendo o depoente como favorecido (ID 12617604); do depoimento da testemunha Adriana Cristina Campagnoli de Oliveira (ID 12617705 a ID 12617709), também lotada no gabinete da prefeitura, a qual declarou que ‘o Tião da Horta viu uma vez só’ no comitê de campanha de ADRIANE LOPES (em harmonia com o depoimento de Sebastião, o qual declarou em juízo que esteve apenas no dia 26/10/2024 no comitê); e da completa inadequação da prova juntada pelas recorridas no ID 12617681, contendo suposto áudio de autoria atribuída à testemunha sem qualquer contexto ou cadeia de custódia', pontuou.
“Simone Bastos Vieira, responsável pelo PIX efetuado em favor de Sebastião Martins Vieira, conforme colacionado na inicial (ID 12617555, p. 101), era servidora comissionada com lotação no gabinete da prefeita na competência de outubro de 2024. Coincidentemente, Simone consta do site da prefeitura como assessora executiva lotada 3 justamente na atual Coordenadoria Geral de Articulação Social e Assuntos Comunitários, subordinada a Marcos Paulo Amorim Pegoraro (‘Dr. Marcos’)', destacou o MPE.
“Portanto, os respectivos elementos de prova são suficientes para exaurir, de forma robusta, os requisitos configuradores da captação ilícita de sufrágio, que demanda as mais graves penas do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90. Os elementos de prova acima descritos não deixam dúvidas quanto ao cumprimento dos requisitos, exigidos pela lei e jurisprudência eleitoral, de (a) a realização de quaisquer das condutas enumeradas pelo dispositivo – doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a eleitor, inclusive emprego ou função pública; (b) o dolo específico de obter o voto do eleitor; e (d) a ocorrência dos fatos desde o registro da candidatura até o dia da eleição', concluiu Luiz Gustavo Mantovani.
“Considerados os relatos de compra de votos e as provas documentais juntadas que corroboram as testemunhas, embora não haja imputação direta de ADRIANE LOPES, mediante sua participação pessoal na execução dos pagamentos – prova que razoavelmente não se espera que exista, dada a natureza do ilícito – é evidente que os atos foram praticados por participação indireta, mediante ciência e anuência das investigadas acerca das práticas ilícitas conduzidas por seus subalternos', afirmou.
“A exigência de prova do envolvimento direto da investigada e então Prefeita de Campo Grande, em verdade, afronta a própria inteligência decisória e a efetividade da Justiça, pois é de conhecimento público e notório que ilícitos desta natureza são praticados mediante a segmentação de atos, com o completo afastamento do candidato dos atos executórios', ponderou.
“É evidente a ciência e anuência da investigada – e principal beneficiária do esquema de compra de votos – a partir da existência de comprovante de transferência PIX efetuada por sua assessora de gabinete (Simone Bastos Vieira) para testemunha que afirma textualmente que atuou na compra de votos para sua campanha (Sebastião Martins Vieira), também operacionalizado pelo motorista oficial do gabinete da prefeitura (Rodrigo Hata), robustamente corroborada pelos demais elementos de prova dos presentes autos, como acima demonstrado', descreveu.
“No presente caso, comprovou-se a existência de pagamento via PIX que parte direto de pessoa integrante de seu gabinete (Simone Bastos Vieira) para testemunha compromissada (Sebastião Martins Vieira), a qual declara textualmente que a finalidade era a compra de votos, além da existência de esquema de captação ilícita de sufrágio operacionalizado dentro do comitê de campanha das investigadas, com a participação de, ao menos, mais um servidor comissionado da prefeitura, motorista dos veículos oficiais do gabinete da prefeita, como operador (Rodrigo Hata)', frisou o procurador eleitoral.
Por muito menos, em 2002, o Tribunal Superior Eleitoral cassou o senador do Amapá, João Capiberibe, e sua mulher, a deputada federal Janete Capiberibe, pela compra de dois votos por R$ 26. As provas apontadas contra Adriane apontam muito mais votos e por um valor cinco vezes maior, mas a decisão é da Justiça Eleitoral.
Com a omissão de jornais e sites da Capital sobre o parecer do MPE, uma foto com a conclusão do procurador eleitoral Luiz Gustavo Mantovani passou a ser compartilhada em grupos de aplicativos e nas redes sociais. A conclusão viralizou.