‘Até quando?’: Caso de injúria racial se repete em estádio em Mato Grosso do Sul
Clube acabou punido por ofensa de torcedor contra atleta
| MIDIAMAX/OSVALDO SATO
O desabafo do atacante Luigi, que viralizou após ser alvo de injúrias raciais em uma partida da Taça Libertadores Sub-20, reflete uma realidade que segue presente nos campos de futebol. “Até quando vamos passar por isso?” disse o atleta, com lágrimas nos olhos, após partida realizada no Paraguai.
Em Mato Grosso do Sul, o cenário é o mesmo. Apenas no mês de março, dois casos foram registrados pela reportagem do Jornal Midiamax. Na primeira, um caso em torneio juvenil, onde torcedores proferiram injúrias raciais contra atletas menores de idade, resultou na exclusão de ambos da competição.
Já o segundo, teve maior repercussão por ser registrado em partida do Estadual Série A e o caso foi parar no TJD-MS (Tribunal de Justiça Desportiva de Mato Grosso do Sul). O fato aconteceu no dia 2 de março, durante partida entre Águia Negra e Corumbaense, em Rio Brilhante, pela última rodada da primeira fase do Sul-mato-grossense.
A denúncia partiu do goleiro Diego, do Corumbaense, que foi alvo de ofensas racistas pela torcida do time da casa. Ele alegou que ouviu as ofensas racistas durante o jogo, com termos como “escravo”, “preto” e “macaco”, enquanto se preparava para a partida. O árbitro relatou o fato em súmula.
Julgamento
Diante disso, a Procuradoria do TJD-MS apresentou a denúncia e o caso foi julgado, em duas sessões. Na segunda, realizada na terça-feira (19), o TJD-MS decidiu punir o Esporte Clube Águia Negra devido a injúrias raciais proferidas por sua torcida.
Na primeira sessão de julgamento, realizada na semana passada, Diego detalhou as ofensas que recebeu. Durante sua fala, disse que sempre ouve xingamentos, que acha normal do ambiente do futebol, mas que ofensas e injúrias de teor racial não podem ser admitidas.
O juiz da partida, Altair Rodrigues, registrou na súmula a denúncia do goleiro, confirmando que os fatos foram testemunhados por um gandula da partida. No entanto, durante a audiência, este gandula afirmou que ouviu os xingamentos, mas não confirmou que as palavras fossem de caráter racial.
Outros envolvidos, como o árbitro assistente Josimar Mazzetto e o delegado da partida Leomir Telles, também não confirmaram terem ouvido ou terem presenciado o gandula confirmar as injúrias raciais. Contudo, o árbitro principal reafirmou durante o julgamento que os termos mencionados na súmula eram, de fato, injúrias raciais e teriam sido confirmadas pelo gandula.
Auditores foram unânimes
Diante dos fatos, o procurador Wilson dos Anjos, manteve a denúncia e destacou, ainda, a importância de combater a discriminação no esporte e afirmou que casos como esse não podem ser ignorados. Segundo ele, a impunidade contribui para a perpetuação de atitudes discriminatórias na sociedade.
O procurador ressalta que a Procuradoria Desportiva tem a função de garantir a ordem jurídica e disciplinar no esporte, responsabilizando aqueles que violam a legislação. Ele enfatiza que a responsabilidade por atos discriminatórios de torcedores pode recair sobre os clubes, e que todos os envolvidos nas competições devem colaborar para prevenir condutas antidesportivas, como o racismo.
“Escravo não é sinônimo e nem condição de negro; macaco não é específico de preto. Portanto, se uma pessoa utiliza-se de tais expressões é para ofender, humilhar, desumanizar […] num ambiente de prática apenas de esporte, onde não deveria haver inimigos, somente adversários”, afirmou o procurador.
Segundo ele, há necessidade de a sociedade enfrentar tais situações não é apenas dos grandes órgãos para dar exemplo de combate a atitudes enraizadas, mas de todos que possuem a mínima oportunidade e discernimento da gravidade. “A cada ato praticado e não enfrentado há uma consolidação cultural. Toda vez que se perde oportunidade de fazer o bem, o justo, reina o mal, o injusto, reina atitude de imoralidade, desrespeito entre pessoas que, a despeito das diferenças físicas ou intelectuais, são iguais na essência humana”, completou.
Já o advogado do Águia Negra, Luiz Fernando Lopes Ortiz, alegou que as provas contra o clube eram insuficientes. Ortiz criticou a atuação da arbitragem, questionando a veracidade da súmula e argumentando que a falta de unanimidade nas testemunhas enfraquecia o caso. Ele pediu pela absolvição ou, ao menos, pela aplicação de uma pena mínima.
Apesar dos argumentos da defesa, os auditores do TJD-MS, liderados pelo relator Fernando da Silva, decidiram punir o clube. Além de uma multa de R$ 5 mil, o Águia Negra perdeu um mando de campo como parte da punição, visando tanto a penalização quanto a educação do clube e sua torcida.
Assim, outros membros do colegiado endossaram a medida, incluindo o auditor Ricardo Almeida de Andrade, que enfatizou a necessidade de um combate contínuo ao racismo no futebol. Ele sugeriu que o Águia Negra promovesse campanhas educativas com sua torcida para prevenir incidentes semelhantes no futuro.
“É inadmissível que, em um país miscigenado como o Brasil, comportamentos racistas ainda ocorram nos campos de futebol', declarou o auditor, ressaltando o constrangimento vivido pela vítima, que teve que enfrentar a humilhação durante o jogo.
Recentemente, outro caso repercutiu em Campo Grande. No torneio juvenil MS Cup, torcedores do Náutico fizeram ofensas racistas aos atletas do Pantanal, resultando na exclusão de ambos da competição, após confusão generalizada.
Casos recorrentes
O atacante Luighi, da Sociedade Esportiva Palmeiras, foi alvo de ofensas racistas por um torcedor do Cerro Porteño, durante jogo entre os dois times, no dia 6 de março, no Paraguai, pela Taça Conmebol Libertadores sub-20.
O time paulista venceu por 3 a 0. Ao sair de campo, para ser substituído, um torcedor fez gestos imitando macaco e outro torcedor cuspiu no atleta, através do alambrado.
Ao ser entrevistado, depois do jogo, Luighi foi questionado pelos repórteres sobre aspectos da partida, mas se recusou a tratar o tema.
“É sério isso? Vocês não vão me perguntar sobre o ato de racismo que ocorreu hoje comigo? É sério? Até quando vamos passar por isso? Me fala, até quando? O que fizeram comigo é crime, não vai perguntar sobre isso?', desabafou o atleta.
Injúria racial no esporte
No futebol brasileiro, os casos de injúria racial são tratados com base no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), especificamente no Art. 243-G, que aborda as infrações relacionadas à discriminação racial, religiosa, de gênero, entre outras. Este artigo prevê punições como multas e perda de mando de campo para clubes cujos torcedores ou membros cometam atos discriminatórios.
A responsabilidade pelo comportamento racista pode recair tanto sobre os indivíduos envolvidos quanto sobre o clube, especialmente quando as ofensas são proferidas por torcedores. Quando o clube é responsabilizado, ele pode ser punido com a perda de pontos ou a imposição de multa.
A apuração desses casos é feita por tribunais desportivos, como o Tribunal de Justiça Desportiva (TJD), que julga as infrações e decide sobre as sanções. Além das penalidades, é comum que o TJD recomende campanhas educativas e outras ações de conscientização para prevenir futuros casos de discriminação.