O Provável impacto do novo Marco Cambial na alta do dólar
| MáRCIO ALMEIDA - ADVOGADO
Na qualidade de operador do Direito (leia-se, advogado atuante na análise do comportamento das contas públicas) e ante a consistente alta dos juros com impacto nas contas públicas que reforça a pauta de ajuste visando o equilíbrio fiscal, o que remete de imediato na adoção de políticas sociais restritivas (arrocho salarial no setor público, por exemplo), e cujo aumento de juros tem como pano de fundo a contenção da pressão inflacionária que por sua vez vem sendo sustentada pela alta do dólar, vez que até o reino mineral reconhece que não vivenciamos uma inflação baseada em hiato de produto e sim na flutuação cambial, não sendo muito, a título de ilustração parafrasear o sempre candidato e ex-Ministro da Fazenda do Governo Itamar Franco, Ciro Gomes, que sempre alerta que: “a gente come pão, e pão é feito de trigo, e o Brasil por ser o décimo quinto produtor, importa muito trigo e paga em dólar', portanto, a alta do dólar representa inflação com aumento do custo de vida e repercussões macroeconômicas indesejáveis como tal a alta dos juros e o aumento da dívida pública, numa espiral aterrorizante.
Mas bem, algo que me incomoda e não tenho visto nos debates sobre a disparada do Dólar é quanto ao novo Marco Cambial publicado em 30 de dezembro de 2021 para começar a valer a partir dos idos de janeiro de 2023, e isto pela edição da Lei Federal de nº 14.286, de 29 de dezembro de 2021, onde houve adição no ordenamento jurídico de um novo diploma para regular o mercado de câmbio brasileiro, e entre as novidades inclusive propagandeadas pelo Banco Central Brasileiro1 e pelo próprio Banco do Brasil2, tem-se, no artigo 15 da citada Lei, a autorização para que instituições financeiras emprestem dinheiro no exterior (em moeda estrangeira) com recursos oriundos do Brasil, ou seja, essa livre movimentação de capitais, na prática utiliza da internalização de ganhos a partir de transações com moeda estrangeira (leia-se dólar) para remessa ao exterior na forma de empréstimo, com potencial claro de reduzir a circulação do dólar na economia brasileira.
Outro ponto que tem potência para reduzir a circulação do dólar é a permissão de manutenção, no exterior, dos recursos em moeda estrangeira decorrentes de recebimentos de exportações brasileiras de mercadorias e de serviços para o exterior, sem condições específicas ou limites de valor, o que antes era limitado pelo poder regulatório do Conselho Monetário Nacional, passou agora ao largo de qualquer limite ou restrição. Em miúdos, podemos concluir que, agora, os grandes exportadores de comodities que recebem em moeda estrangeira, ao invés de internalizar os valores recebidos em dólar possam manter livremente e sem limites tais capitais no estrangeiro, estrangulando assim economia nacional com impacto na diminuição do ingresso de dólar no Brasil, que tem no esteio do câmbio flutuante uma das colunas do seu tripé macroeconômico.
1 https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/17596/nota
2 https://www.bb.com.br/site/pro-seu-negocio/comercio-exterior/novo-marco-cambial/
Por fim, além de outras medidas adotadas pelo novo Marco Cambial com sério risco macroeconômico e financeiro para o país, figura-se também a elevação do limite de porte de moeda estrangeira de R$ 10 mil reais para 10 mil dólares, diminuição das competências do Conselho Monetário Nacional e aumento das competências do Banco Central, e como apontado em artigo3 publicado no Valor Econômico em 2019 (quando a Lei ainda era um mero projeto) a possibilidade de abertura de contas em moeda estrangeira por parte de residentes no Brasil que pode resultar no uso crescente do dólar em tais operações, dado que passou-se a ter livremente a faculdade de manter reservas em moeda estrangeira, o que pode ampliar igualmente na capacidade de especulação contra o real em momentos de maior incerteza, diminuindo assim a capacidade de ordenação do BC no mercado cambial, como apontado pelo Professor Luiz Fernado de Paula no citado artigo.
Assim, com essas breves interações em matéria de relevante interesse público e social e com a perspectiva de inserir no debate público a eventual hipótese de constrangimento econômico ocasionado pelas inovações institucionais adotadas no âmbito do novo marco cambial, é que me atrevi a deitar análise nesse emaranhado de normas do campo econômico, assim como na leitura de suas implicações na nossa economia doméstica, pois afinal: “comemos pão e pão é trigo e trigo é...'.
Márcio Almeida
Advogado
05/01/2025
3 Uma análise preliminar sobre a proposta de lei foi feita em Prates, D., Rossi, P. e Marins, N. “Nova lei cambial, um projeto de alto risco', Valor Econômico, 25/11/2019. Coordenado pelo Professor Luiz Fernando de Paula em trabalho conjunto com Filipe Vieira pesquisador associado do Observatório do Sistema Financeiro e David Salomão.
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