Brô MC’s conta como é ser estrela no exterior e rejeitado no próprio Estado
De música no FIFA a apresentação no Grammy, 1º grupo de rap indígena segue conquistando espaços na contramão
| ALETHEYA ALVES / CAMPO GRANDE NEWS
Uma pesquisa rápida sobre Brô MC’s mostra que há um assunto em comum durante suas entrevistas: a abordagem para destacar quão bonita é a luta do grupo de rap indígena para valorizar sua língua e comunicar as tragédias vividas pelo povo guarani-kaiowá. Porém, nos bastidores, Kelvin, Clemerson, Charlie e Bruno falam sobre muito mais, incluindo a sensação de serem valorizados no exterior, enquanto Mato Grosso do Sul continua a rejeitá-los.
Após se apresentarem no último sábado (28), em Nova Iorque, ao lado do DJ Alok, o grupo saiu dos Estados Unidos e veio direto ao Campo Grande News para conversar com o Lado B. Em 15 anos de carreira, os marcos envolvem desde lidar com o medo de serem silenciados até o orgulho de bater no peito para dizer que estão 'levando Mato Grosso do Sul nas costas para o exterior'.
Definidos como o primeiro grupo de rap indígena que segue resgatando a cultura ancestral, os sul-mato-grossenses vieram das aldeias Jaguapiru e Bororó, em Dourados. Em sua trajetória, as conquistas incluem desde o reconhecimento de sua existência enquanto músicos, lá no início, até, mais recentemente, convites para tocar em eventos da ONU (Organização das Nações Unidas), no Museu do Grammy, e participar do Rock in Rio.
A questão é que, mesmo com tanta luta e reconhecimento internacional cada vez mais frequente, os Brô MC's seguem sendo jogados para o escanteio em Mato Grosso do Sul. Conscientes disso, cada um dos integrantes faz questão de destacar que, no fim das contas, a tristeza de não serem abraçados no próprio estado existe. Ao mesmo tempo, o que têm a dizer é: as pessoas vão precisar continuar os engolindo.
A galera tem que aceitar que o Brô MC’s, os indígenas, está levando a cara de Mato Grosso do Sul para fora. É um mérito esse olhar se voltar mais para o Estado. [...] queira ou não queira, é o Brô MC’s que está levando o MS nas costas. A gente é que bota a nossa cara', argumenta Kelvin.
Clemerson explica que é nítida a forma com que muita gente faz questão de dizer como não gosta do grupo, independente dos marcos alcançados. O ponto é que esse gostar, em geral, vem acompanhado de muito preconceito.
“A sociedade tem que aceitar que nós somos o único grupo (de MS) que está saindo para tocar internacionalmente. É o Brô que está subindo nos palcos da gringa e, através disso, o Mato Grosso do Sul ganha', diz Clemerson.
Longe de o cenário ser perfeito fora do Estado, as dificuldades são diferentes. Charlie detalha que em outros países, a barreira a ser quebrada envolve mostrar que o Brasil não é feito apenas de povos indígenas amazônicos. Mas o posicionamento é bastante distinto do encontrado por aqui, já que os convites aparecem lá fora.
E não é necessário nem mesmo ir tão longe, já que o grupo costuma fazer mais shows em outros estados brasileiros do que em Mato Grosso do Sul. Segundo Charlie, na prática, o grupo tem se tornado protagonista, mas a causa, é claro, continua em conflito com o contexto regional.
Vão ser poucas as pessoas que abraçam a nossa causa. Como o Estado é muito do agronegócio, acredito que esse cenário vai continuar, Infelizmente, isso acontece e o Brô vai abraçar quem tá junto, quem sempre apoiou, Mas, de todo jeito, espero que a mensagem, a nossa música, possa fazer com que as pessoas entendam em algum momento o que estamos fazendo', diz Charlie.
Kelvin acrescenta que a exclusão não se encaixa apenas em eventos vinculados ao agronegócio ou “padrões'. Na vida real, eles não costumam se sentir convidados nem para ações de valorização da periferia.
“Os preconceituosos não vão querer aceitar mesmo. A gente vê vários eventos por aqui e que ninguém quer chamar o Brô. Vejo isso até em e evento de Hip Hop, principalmente em Campo Grande que tem eventos maiores, as pessoas trazem gente de outro estado para cantar. Por que não chamam do próprio Estado para ter a representatividade cultural?', questiona.
Para Bruno, a revolta em continuar vendo poucos espaços abertos regionalmente ao grupo é persistente. Mas, depois de tanto tempo recebendo a mesma mensagem, ele diz que a preocupação do Brô MC’s tem se voltado para outros locais.
Isso significa, segundo o rapper, que eles vão continuar tentando ocupar os espaços em Mato Grosso do Sul, mas sabendo que o mundo é muito maior.
Indo contra o medo
Falar sobre as tragédias vividas pelos povos indígenas em Mato Grosso do Sul nunca foi um assunto recebido abertamente em todos os espaços. Por isso, longe de ser algo “bonito', o tema é realmente vivenciado como uma luta perigosa e, no caso dos músicos, excludente.
Bruno explica que todos sempre souberam das dificuldades em levar as histórias e sofrimentos de seu povo para a música. Inclusive, é também por essa dificuldade que se encontraram no rap, já que uma série de pessoas e comunidades oprimidas ocupam esse espaço na arte periférica.
“Desde que eu era criança, quis falar sobre o meu povo e as coisas que a gente vivia. E quando a gente é menor quer falar tudo de uma vez. Eu ficava bravo quando alguém falava para eu pensar melhor sobre porque sempre quis levar isso para as minhas letras. Penso nisso até hoje, que só vou parar de falar sobre o meu povo quando eu morrer', destaca Bruno.
Entendendo o medo como algo a ser superado, Charlie narra que é costume usar o receio dos povos indígenas contra eles. Por isso, no Brô MC’s, o medo precisa andar ao lado da coragem para existir um equilíbrio.
“Muita gente quer deixar a gente com medo, mas eu acredito que nós temos que falar, nós temos que contar sobre o que acontece com o nosso povo. Até porque isso é um meio que eles usam para tentar silenciar a gente e se nós ficamos com medo, se deixamos de fazer e de falar, eles ganham', defende Charlie.
Com medo de lado, o que vem por aí?
Comemorando os 15 anos de trajetória, o grupo conta que a ansiedade tem sido para o lançamento de seu álbum “Retomada'. A expectativa é de que ele seja disponibilizado neste ano.
Além disso, os projetos seguem com o DJ Alok através de “O Futuro é Ancestral'. E, para fechar, o primeiro estúdio de gravação musical em terras indígenas segue em construção.
Segundo os integrantes, as obras não finalizaram por dificuldades com disponibilidade de água e estrutura.